segunda-feira, 20 de junho de 2016

Centro e periferias (3) – Portugal, uma periferia ibérica



A avaliação da dinâmica demográfica, dos níveis de instrução e os desequilíbrios no comércio externo evidencia uma crescente debilidade e dependência de Portugal face ao estado espanhol, num contexto em que ambos são periferias dentro de uma Europa em processo de entropia económica e democrática.
Sumário
1 - As pessoas, o capital mais precioso
 1.1 – Os migrantes
 1.2 – O conhecimento, a grande riqueza
2 – Um comércio externo desequilibrado e desigual
 2.1 - O perfil do comércio externo dos países ibéricos
3 - As capitações do rendimento




Recentemente, observámos as desigualdades entre os vários países e respetivas regiões desde 1990 e nesse estudo é bem visível, entre as áreas periféricas ou em regressão demográfica, a presença de Portugal[1]. Um pouco mais atrás no tempo, registámos as variações do poder de compra nos municípios portugueses entre 2004 e 2013[2] que se materializaram na observação de uma maior homogeneidade entre as várias regiões, como resultado de um empobrecimento mais extenso nos municípios onde o rendimento era mais elevado, no contexto luso, como é evidente.

Neste texto vamos centrar-nos nas desigualdades dentro da Península Ibérica, tanto quanto possível desagregando os elementos aferidores pelas regiões portuguesas e pelas autonomias do estado espanhol.

1 - As pessoas, o capital mais precioso

Como dissemos recentemente[3] a dinâmica de uma população é um indicador de primeira relevância para se ver se uma região é próspera ou involui no sentido da pobreza relativa. No primeiro caso, é atraente para os seus naturais e ainda para pessoas vindas de fora; e no segundo, tende a repelir os seus próprios nativos por falta de atratividade e reduzindo a sua própria reprodução. 

Para o total dos dois estados peninsulares, a evolução demográfica é muito distinta no presente século, como se pode observar no quadro seguinte. Em Espanha, mesmo incluindo os últimos anos de muito baixa progressão populacional, observa-se nos primeiros 15 anos do século, um crescimento demográfico anual próximo de 1%, o que em Portugal não chega a acontecer para a totalidade do período. Em 2015, o INE referiu, entretanto, uma redução da população residente em 33492 pessoas, o que prolonga a tendência aqui documentada[4].
                                                                            Variação populacional (%)

2001/08
2014-15*/2008
2001/14-15*
Espanha
11,6
2,3
14,1
Portugal
2,6
-1.8
0,7
                           *Portugal 2014, Espanha 2015       Fonte primária: Eurostat

O detalhe desses dados globais por regiões administrativas portuguesas e autonomias do estado espanhol revela desigualdades marcantes. 

Em primeiro lugar, convém observar que as variações entre 2001 e 2008 nas regiões Centro, Alentejo e Área Metropolitana de Lisboa resultam de alterações profundas na composição dos territórios integrantes, menos por considerações de harmonização territorial e mais como produto de engenharias legislativas para maximizar o fluxo de fundos comunitários. Como se observa, essas engenharias não evitaram quebras populacionais nas regiões Centro, Alentejo e também no Norte, nem a estagnação da população na região de Lisboa no período seguinte, 2008/14-15. E dai que as variações reveladas no gráfico relativas a essas regiões, para o período 2001/08, careçam de real significado.

A região das Astúrias é a única onde se observam quebras populacionais nos dois períodos considerados. Com quebras demográficas em 2008/14-15 registam-se quatro das sete regiões portuguesas – Norte, Centro, AM Lisboa e Alentejo e três das autonomias espanholas – Astúrias, como já referido e ainda Castela-Leão e Galiza. Em termos demográficos, desenha-se uma periferia ibérica na faixa ocidental que exclui o Algarve e a Área Metropolitana de Lisboa e avança pelo interior norte da Península.

                                                                                              Fonte primária: Eurostat

No período 2001/08 o Algarve é a única região portuguesa com um crescimento populacional significativo mas que fica muito longe da dinâmica apresentada pelos arquipélagos espanhóis – Canárias e Baleares e mesmo das regiões da vertente oriental mediterrânica – Comunidade Valenciana, Múrcia e Catalunha, para além do caso particular de Madrid. Nesse período para além do decrescimento populacional nas Astúrias, regista-se um baixo crescimento em Castela-Leão, Extremadura, Galiza e País Basco.

Em 2008/14-15, em Portugal o crescimento demográfico só se observa no Algarve, nos Açores e sobretudo na Madeira. Nas autonomias do estado espanhol há uma quebra generalizada dos aumentos populacionais face ao período anterior, com excepção dos enclaves na costa africana, de Ceuta e Melilla.

1.1 – Os migrantes

Em finais de 2014 havia em Portugal 390 mil estrangeiros residentes registados e 5073 milhares em Espanha, correspondendo respetivamente a 3.7 e 10.9% da população total; nas autonomias da costa oriental – Catalunha, Comunidade Valenciana, Múrcia, e Baleares aqueles indicadores ultrapassam os 14%, mostrando-se os indicadores mais baixos na Extremadura e na Galiza. Houve um recuo da presença de emigrantes em Portugal entre 2010 e 2014 e desde 2009 no caso de Espanha mas, comparando com 2008, a redução da população imigrante é aproximada – 10.5% em Portugal e 13.6% em Espanha – com causas resultantes das intervenções, mais ou menos explícitas, das instâncias europeias em busca da salvação do sistema financeiro.

A atração de gente vinda do exterior é um sintoma de dinâmica social e económica, mesmo sabendo-se que muitos imigrados vão desempenhar as funções mais mal pagas; porém, ao mesmo tempo, constitui um enriquecimento cultural, de criatividade, de trocas entre diferentes formas de viver e sentir, que correspondem à integração do ser humano numa Humanidade. E isso, é um fenómeno social que contraria as taras nacionalistas, racistas ou religiosas, com que a crise do neoliberalismo tem contaminado muita gente, de direita, do centro e de “esquerda”. 

Por outro lado, a Europa, historicamente sempre foi um território de cruzamento de gente de várias origens, no caso da Península Ibérica, desde há vários milénios. Já no século XVI, em 1551, 10% da população de Lisboa era negra, percentagem que subiu para 20% em 1578. O que resta hoje, na população da Madeira, dos escravos negros que foram importados para trabalhar na cana do açúcar? Estão lá, integrados nas veias dos madeirenses. Na Argentina, um estudo demonstrativo de elevadas percentagens de carga genética índia e negra, destruiu a crença dos “brancos” de que o país era povoado por caucasianos puros. A raça como caraterística separadora dos homo sapiens é uma imbecilidade mas, perigosa.

Os níveis atuais de população imigrante sendo baixos constituem uma outra demonstração de que Portugal é uma região periférica que nem sequer é apelativa para os refugiados do Próximo Oriente ou africanos. No entanto, a ilustrada classe política evidencia o gosto pela gentrificação, enquanto modernidade saloia e forma de segregar a população indígena dos locais com “vocação” turística ou tentando vender imobiliário a estrangeiros endinheirados, contra a entrega de passaporte[5]. Uma vez mais, a ligação entre a classe política e o empresariato vai privilegiando o “investimento” de fachada mas, com a utilização de fundos públicos e a continuidade da típica lavagem de capitais mafiosos, com especial atração pelos setores do imobiliário e da hotelaria.

1.2 – O conhecimento, a grande riqueza

O gráfico que se segue apresenta a evolução, para o período 2000/15 da população com os níveis extremos da escolaridade alcançada, para os dois países ibéricos e para o conjunto da UE.

  Níveis 0-2 – pessoas que não têm o ensino primário, ou que atingiram
   o ensino primário ou ainda o primeiro ciclo do secundário
 Níveis 3-8 – pessoas com graus de ensino superior    Fonte primária - Eurostat

Nos 15 anos considerados, a parcela de pessoas com maiores qualificações aumentou o seu peso em 14 pontos percentuais (pp) em Portugal, contra 12.4 pp em Espanha e 10.1 no conjunto da UE. A Espanha que tem mantido, na sua população, uma parcela de gente com formação superior acima do conjunto da UE apresenta-se nessa área muito acima de Portugal, embora aqui, essa parcela tenha crescido uns assinaláveis 160% no período 2000/15. Numa comparação europeia, Portugal apresenta, em 2015, um indicador mais favorável que países como Croácia, Rep. Checa, Eslováquia e, particularmente, quando comparado com Malta, Itália, Roménia e Turquia.

No capítulo das qualificações mais baixas, Portugal deixou de ter nesse nível 80.6% da sua população com 25/64 anos em 2000 passando para 54.9% em 2015, beneficiando, no período, do desaparecimento físico de pessoas cujo tempo de (parca) escolaridade foi passado no tempo do fascismo[6]. Na comparação com os outros países europeus, a situação portuguesa continua muito desfavorável, somente apresentando indicadores piores, países como Malta e Turquia.

Centrando a análise na Ibéria, observa-se que em 2000 todas as regiões portuguesas tinham, no capítulo da população com cursos superiores, indicadores inferiores a qualquer das autonomias que constituem o estado espanhol, sendo a Área Metropolitana de Lisboa a região - com 14.3% de pessoas com instrução superior - que mais se aproximava das autonomias espanholas com piores indicadores; as restantes situam-se em patamares muito inferiores. Se na Madeira somente 3.7% das pessoas com idades no intervalo 25/64 anos tinha formação superior, a região espanhola pior classificada – Castela-La Mancha registava 15.5%, o que constituía uma diferença assinalável. Ainda em 2000, as autonomias com indicadores mais significativos eram o País Basco e Madrid… com mais do dobro da Área Metropolitana de Lisboa, de longe a região mais instruída de Portugal.

                                                                                                    Fonte primária – Eurostat

Em 2015, apesar das substanciais subidas dos números relativos de população com instrução superior, em Portugal, todas as regiões apresentam indicadores inferiores aos de qualquer das autonomias espanholas, excepto no que concerne à Área Metropolitana de Lisboa e, cabendo desta vez o último lugar aos Açores, apenas com 14.3% da população com formação superior. Sublinha-se a continuidade da evolução positiva nas autonomias espanholas, voltando as situações mais favoráveis a caber ao País Basco e a Madrid, respetivamente com 47.8 e 46.9% da população com 25/64 anos a deter formação superior.

Em 2000, as populações com os mais baixos níveis de qualificação eram claramente mais representativas nas regiões portuguesas do que nas autonomias espanholas. Nos Açores e na Madeira este escalão de qualificações rondava os 87% da população com 25/64 anos e nas autonomias espanholas as piores situações observavam-se em Castela-La Mancha ou na Extremadura, com indicadores da ordem dos 72%... que pouco ultrapassavam os 70% da Área Metropolitana de Lisboa, a região portuguesa com menor parcela deste tipo de qualificações!
                                                                                                 Fonte primária – Eurostat

Passados 15 anos da realidade descrita há uma generalizada e acentuada redução deste tipo de população com baixos níveis de instrução. Açores e Madeira continuam com os mais elevados índices; e, com as outras regiões portuguesas, exceptuando a Área Metropolitana de Lisboa, repartem com a Extremadura, as piores situações da Península.  A região de Lisboa, continua a destacar-se no contexto português, desta vez com níveis semelhantes aos de Castela-Leão e Catalunha mas, claramente atrás das autonomias com menores parcelas de gente com baixas qualificações, Madrid e País Basco.

Por comparação face a outras regiões integradas em países europeus, achamos interessante indicar que em Londres Ocidental a parcela de pessoas com instrução superior se eleva a 69.7%, registando-se ainda casos em que aquele indicador é superior a 50% - Londres, Brabante/Valónia (Bélgica), Oslo, Helsínquia, Escócia Nordeste, Escócia Oriental e Zurick (50%). Inversamente, os casos de menor proporção de qualificações baixas regista-se em Praga (3.3%), Saxónia e Bratislava, regiões que se encontram geograficamente próximas.

Os baixos níveis globais de instrução em Portugal revelam-se, em termos europeus, pela relativamente estreita parcela de pessoas com 25/64 anos e formação superior, em paralelo com o elevado peso daqueles que têm uma instrução que não ultrapassa o primeiro ciclo do secundário.

Mesmo com a evolução registada face ao que se passava no fascismo o regime cleptocrático que lhe sucedeu, tendo como fulcro o partido-estado PS/PSD, esteve longe de uma política de qualificação da população que a aproxime dos padrões europeus ou mesmo espanhóis[7]. Mesmo tendo decorrido 42 anos para o fazer! Ocupou-se mais, com a autorização da entrada em funcionamento de “universidades” que se demonstrou terem por detrás vulgares burlões, com aumentos de propinas que penalizam as famílias mais pobres, com frequentes manobras estúpidas sob a forma de reformas, com uma perseguição constante aos professores, com a admissão de centenas de cursos sem qualquer razão de ser, com a permissão da interferência de instituições corporativas (as ordens) na limitação do acesso da profissão aos recém-licenciados, com a adopção das fórmulas comerciais que rodeiam as regras de Bolonha e com o financiamento público de negócios na área do ensino, em que os beneficiários são instituições ligadas à Igreja Católica ou a grupos mafiosos próximos do próprio partido-estado.

Por outro lado, a estrutura empresarial portuguesa, continua, no actual regime a exigir pouco em termos de qualificações, procurando acima de tudo mão de obra barata; a diferença face ao tempo fascista é a modernidade neoliberal de se procurar inserir na escola o primado da tecnocracia, do empreendorismo e da concorrência e disfarçadas formas de efetiva privatização.

As melhorias observadas no padrão educativo detido pelas populações, nos últimos anos não têm alterado substancialmente os desníveis face ao estado espanhol, mostrando que muitas das pessoas mais qualificadas optam pela emigração – como sugerido pelo ex-primeiro ministro Passos, aliás um caso evidente de como a aquisição de um diploma não corresponde a conhecimento – ou a manterem-se em Portugal no âmbito de permanente precariedade e baixo salário relativo. Por outro lado, a existência de elevada percentagem de gente com baixas qualificações garante o abastecimento dos países europeus mais desenvolvidos em mão-de-obra para a apanha do tomate em França, para as limpezas na Suíça, ou a construção na Alemanha, muitas vezes com a distinta intermediação de empresários herdeiros da vocação de negreiros com a proliferação de empresas – eventualmente constituídas “na hora” - de recrutamento e aluguer de trabalhadores. Para uma formação económica onde preponderam PME descapitalizadas, endividadas e de gestão duvidosa, habituadas a uma grande dependência do Estado, é natural que o aumento do salário mínimo de € 500 para € 530 tenha de ser amaciado com financiamento da Segurança Social[8], uma vez que o empreendorismo nacional não dispensa o financiamento público, mesmo de gastos correntes.

Veja-se, para terminar, os desníveis na instrução de Portugal e Espanha relativos a 2015, face a outros países periféricos, mormente do Leste europeu, alguns dos quais possuidores de graus de pobreza bem acentuados. Por um lado, as parcelas dos países ibéricos relativas aos mais baixos escalões de qualificação são claramente superiores aos países periféricos que selecionámos; quanto ao peso das pessoas com instrução superior, quatro desses países têm melhores indicadores que Espanha, enquanto apenas outros quatro detêm piores situações que Portugal, mesmo que só um, a Roménia se mostre distanciado.



Níveis 0-2
Níveis
3-4
Níveis
5-8

Níveis
0-2
Níveis
3-4
Níveis
5-8
Bulgária
18.1
54,4
27.5
Irlanda
20.2
37.0
42.8
Chipre
21.9
37,5
40.6
Letónia
9.9
58,5
31.6
Croácia
16.7
60,6
22.7
Lituânia
6.5
54,8
38.7
Eslováquia
8.6
70,3
21.1
Polónia
9.2
63,1
27.7
Eslovénia
13.2
56,6
30.2
R. Checa
6.8
71.0
22.2
Estónia
8.9
53.0
38.1
Roménia
25.0
57,8
17.2
Grécia
29.6
41,3
29.1
Espanha
42,6
22,3
35,1
Hungria
16.8
59.0
24.2
Portugal
54,9
22,2
22,9
                                                                                        Fonte primária – Eurostat

No que se refere aos segmentos populacionais de qualificação intermédia é patente a sua menor relevância nos países ibéricos, onde essa situação não recolhe grande procura, nem é objeto de políticas públicas de elevação de perfil; assim, essas camadas sociais intermédias não constituem um numeroso elemento central de fixação ou transição de pessoas. As sociedades ibéricas parecem repartidas entre um decrescente mas ainda enorme segmento de população com baixas qualificações e um outro segmento, mais dinâmico, de pessoas com qualificação superior. A análise dessas dinâmicas é complexa e não a iremos fazer aqui.

No ano transato, entre as regiões portuguesas e as autonomias do estado espanhol, o volume relativo desse escalão intermédio de qualificações, crescente face a 2000, revelava-se com as maiores representatividades nas Baleares (27.4%) e na Área Metropolitana de Lisboa (26.3%) enquanto as mais baixas sucediam nos Açores (16%), na Extremadura (17%) e na Madeira (17.8%).

2 – Um comercio externo desequilibrado e desigual

Tomando a exportação ou a importação de mercadorias de Espanha e Portugal com uma base 100 em 1999, observa-se algum paralelismo na evolução mas, com um crescimento bem mais dilatado das linhas que revelam o comércio externo espanhol. Enquanto a exportação espanhola aumenta 2.6 vezes até 2015, a portuguesa cresce 2.2 vezes; e no capítulo da importação a diferença de dinamismo é semelhante – 2.2 vezes no caso da importação espanhola e 1.6 na portuguesa. Um aspeto da “internacionalização” que alegra os fanáticos do crescimento do PIB ancorado na exportação e na redução dos rendimentos do trabalho.
Essas diferenças são explícitas no gráfico seguinte. Em Portugal há grande paralelismo na evolução de exportações e importações até 2010, como consequência do crescimento acentuado das exportações, após o recuo de 2009 e a estagnação das importações, na sequência da austeridade e da pobreza que vem assolando o país. Em Espanha a exportação evolui de modo paralelo à portuguesa mas mostra-se mais dinâmica depois de 2011; no que se refere à importação global espanhola há também paralelismo mas com ritmos mais acelerados, sobretudo em 2002/07, período esse que, em Portugal, abrangeu a quebra de atividade económica iniciada nos últimos anos do governo Guterres e que se prolongou nos consulados de Durão/Santana.
Fonte primária – Eurostat

Como facilmente se observa pelos perturbados nacionalistas nada aqui se pode relacionar com o advento do euro. Moedas distintas são encarecimentos das transações, com taxas de câmbio flutuantes, de acordo com o “mercado”, encargos de compra e uma acentuada concorrência entre moedas para a atração dos “investidores”; e, tudo o indica, uma grande paleta de moedas nacionais na Europa não teria evitado a crise dos subprimes, a falência do Lehman´s, nem a recessão mundial que mais ou menos atinge todos os países, incluindo a Grã-Bretanha que manteve a sua libra ou a China que, como motor da economia global, tem mostrado graves problemas de desempenho.

Essas quebras nas importações foram induzidas da paragem da folia imobiliária e da construção em ambos os países ibéricos e da austeridade que acompanhou a reestruturação do sistema financeiro em qualquer deles – bem mais arrastada em Portugal. As dificuldades estruturais geraram enorme desemprego, redução de rendimentos e daí uma baixa no consumo ou do investimento. A evolução do saldo da balança comercial português e espanhol mostra essa realidade que contraria também os alucinados que veem no euro a causa de todos os males, ocultando desse modo as verdadeiras causas – a dívida, pública e privada e as desigualdades inerentes ao capitalismo que, na Europa, constrói Centro e periferias.
                  Fonte primária – Eurostat

A evolução do deficit comercial (importações – exportações) entre os dois países oferece um robusto paralelismo mas, com o indicador português, sistematicamente mais elevado, voltando em 2015 a níveis próximos de 1999 (2.4 vezes superior ao registado em Espanha).
Há quem diga que os portugueses consomem para além das suas posses[9] e daí que importem muitos bens. Os últimos anos revelam precisamente que não é o consumo desmedido – pecaminoso para usar um termo ao gosto do Dijsselbloem – mas a ausência de um empresariato dinâmico, criativo, com capitais e boas capacidades de gestão, incapaz, historicamente, de investir[10]. Mas que retém uns € 70000 M em offshores enquanto espera seja o erário público a recapitalizar os bancos levados à falência ou inchados de malparado.
O investimento em Portugal (FBCF) apresenta a terceira marca mais baixa da UE para o período 2010/15 (16.6% do PIB), apenas ultrapassando a Grã-Bretanha (16.4%), o Chipre (15.8%) e a inevitável Grécia (13.5%).

2.1 - O perfil do comércio externo dos países ibéricos

                                                                                                    Exportação (% do total)
Portugal
Espanha
Destinos com mais de 5% do total

2001
2008
2015

2001
2008
2015
ALEMANHA
19,0
12,8
11,8
ALEMANHA
11,9
10,6
10,9
ESPANHA
19,3
27,9
25,0
ITÁLIA
9,0
8,1
7,3
FRANÇA
12,7
11,8
12,1
FRANÇA
19,6
18,4
15,5
GRÃ-BRETANHA
10,2
5,5
6,7
GRÃ-BRETANHA
9,0
7,1
7,3
EUA
5,7

5,2
PORTUGAL
10,2
9,1
7,0
ANGOLA

5,8





BÉLGICA
5,3






Grau de concentração
72,3
63,7
60,9

59,7
53,4
48,0
                Fonte primária – Eurostat

Em regra, os cinco países que absorvem mais de 5% do total da exportação portuguesa revelam uma concentração muito elevada, uma grande vulnerabilidade potencial, como se vem assistindo no caso de Angola ou do Brasil e da Venezuela, ainda que nestes últimos casos, a exportação somada pouco tenha ultrapassado 1.4% do total em 2015. Por outro lado, há uma nítida perda de importância relativa das vendas para a Alemanha e para a Grã-Bretanha e um grande aumento da representatividade da Espanha, cujas importações de Portugal representam 8.4% do PIB português, revelando a crescente dependência lusa dos importadores de além do Caia. 

Em Espanha, a concentração da exportação, nos mesmos moldes, também se verifica, com uma evolução semelhante à portuguesa mas, com graus de dependência bastante menores. A importância relativa da exportação espanhola para a Alemanha mantém-se, ao contrário do que aconteceu em Portugal, nos outros quatro destinos decresce. Por seu turno, a exportação espanhola para Portugal tem um relevo muito inferior à exportação portuguesa para Espanha, o que revelando as naturais trocas entre os dois países ibéricos, mostra graus de dependência muito distintos, pela diferença de dimensão do peso nas exportações, como ainda da evolução verificada; Espanha aumenta de importância na exportação portuguesa e Portugal diminui a sua relevância para as exportações espanholas. Tendo em conta a contiguidade dos dois países, isso revela a facilidade com que se desenvolve a exportação portuguesa para Portugal e a decrescente relevância de Portugal para os exportadores espanhóis. Esta desigualdade é uma das caraterísticas que definem relações entre centros e periferias, onde as economias centrais colocam os seus produtos em maior diversidade de destinos e mais afastados. Portugal, pelos dados apontados para a sua exportação apresenta-se como uma economia periférica no seio da Ibéria[11]

                                                                                             Importação (% do total)
Portugal
Espanha
Proveniências com mais de 5% do total

2001
2008
2015

2001
2008
2015
ALEMANHA
13,8
13,4
12,9
ALEMANHA
16,4
14,7
14,3
ESPANHA
27,4
30,8
32,9
CHINA

6,0
7,0
FRANÇA
10,2
8,1
7,4
FRANÇA
17,6
12,0
11,6
GRÃ-BRETANHA
5,0


GRÃ-BRETANHA
7,1


ITÁLIA
6,8
5,4
5,4
ITÁLIA
9,1
8,0
6,5
HOLANDA


5,1
HOLANDA


5,0
Grau de concentração
63,2
57,7
63,7
Grau de concentração
50,2
40,7
44,4




PORTUGAL
2,8
3,4
3,9
             Fonte primária – Eurostat

Tal como já apontado para a exportação, as importações portuguesas estão também muito concentradas e numa área geográfica próxima, na Europa e com um nível de concentração relativamente constante, ao contrário do observado para Espanha para a qual se reduz comparativamente a 2001. Evidencia-se assim Portugal como uma economia regional, com relações comerciais concentradas na faixa ocidental da Europa.

Nesta vertente da importação, aumenta o papel da Espanha como fornecedor – com cerca de um terço do total em 2015 - em detrimento da França e da Grã-Bretanha, surgindo a Itália com permanência habitual, ao contrário do que acontece nas exportações.

No que se refere a Espanha o grau de concentração é menor que em Portugal e para esse facto contribui a maioria dos principais países da importação, compensados pela presença da China, que ocupa o terceiro lugar entre os fornecedores de Espanha, ultrapassando a Itália. Note-se ainda que nenhum país detém o peso na importação espanhola que a Espanha representa entre os fornecedores de Portugal. Note-se que embora aumente a importância relativa de Portugal como fornecedor do país vizinho, essa importância não vai além de 3.9% em 2015 o que revela uma vez mais a posição periférica de Portugal dentro da Península.

As balanças comerciais dos países ibéricos são francamente negativas (importações> exportações) cuja evolução acima observámos, em percentagem do PIB. Em termos numéricos esses deficits são os seguintes, para os anos que vamos utilizando para comparação:
                                                                                                        Milhões €

2001
2008
2015
Espanha
-43133
-95710
-26933
·      por habit. (€)
-1056
-2084
-578
Portugal
- 17176
-25347
-10304
·      por habit. (€)
-1659
-2386
-988
Fonte primária – Eurostat

Os deficits externos crescem substancialmente de 2001 para 2008 e depois reduzem-se, ainda de modo mais marcado em 2015, como resultado da estagnação económica, da subida do desemprego e da austeridade. O deficit por habitante tem uma evolução semelhante mas, mostrando-se sempre muito mais elevado em Portugal do que em Espanha e mostra a debilidade da estrutura económica portuguesa; em termos aproximados, o deficit comercial por habitante, em Portugal, correspondia a cerca de quatro salários mínimos em 2001, quase cinco em 2008 e menos de dois, no ano transato.

No caso português, contribuem particularmente para o deficit, as trocas com Espanha, Alemanha, Itália e Holanda, com valores superiores a € 1000 M em 2015. Para o mesmo ano, os principais deficits espanhóis verificam-se, por ordem de grandeza, face à China, à Alemanha e à Holanda, com valores de 14.6, 12.7 e 6.1 mil milhões de euros.

No que se refere aos maiores saldos positivos portugueses, (cada um com cerca de 1500 milhões de euros) em 2015, eles são obtidos nas relações com os EUA, a França e a Grã-Bretanha. Quanto à Espanha, os principais saldos positivos resultam das trocas com Portugal, França e Grã-Bretanha, com ganhos de 6.8, 6.7 e 5.0 mil milhões de euros, respetivamente.

Cerca de 70% do deficit comercial português resulta do desequilíbrio das trocas com Espanha, país onde a soma dos desequilíbrios com a China e a Alemanha equivale ao seu deficit total em 2015. Por outro lado, o superavit comercial espanhol com Portugal equivale a 25% dos 26.9 mil milhões de euros do seu deficit total. Isto significa que Portugal é uma economia subsidiária para a estrutura produtiva espanhola e onde esta recolhe parte substancial de receitas para financiar as importações.

3 - As capitações do rendimento

Vejamos, de seguida, como têm evoluído as capitações do rendimento na Península Ibérica entre 2001 e 2014 (ou 2015 no caso das autonomias do estado espanhol), separando esse lapso de tempo em dois períodos 2001/08 e 2008/15.
Fonte primária – Eurostat

Está bem demarcado o período até ao início da crise financeira e do modelo neoliberal e o que se lhe seguiu, que se vai arrastando sem reais soluções que não o despejo dos custos da continuidade do modelo para cima das populações, mormente para trabalhadores, reformados, jovens, para os designados 99%. O mais assustador é que contrariamente a outros tempos de crise do capitalismo não há uma verdadeira resistência, não há sequer um conjunto de práticas políticas que se confrontem com o poder do capital, o que torna a gestão das classes políticas nacionais e da alta burocracia comunitária bastante facilitada. E não há também uma teoria política que inscreva objetivos táticos ou estratégicos mobilizadores, confrontando-se os gestores neoliberais com uma “esquerda” conservadora, burocrática, vagamente defendendo um desacreditado modelo socialista que nunca passou de um capitalismo de estado, enquanto se agarram aos orçamentos do poder neoliberal como carraças.

As regiões portuguesas apresentam crescimentos ligeiramente superiores aos observados para as autonomias espanholas no primeiro período e, no segundo, de crise e austeridade, ainda se conseguem casos de ligeira subida das capitações portuguesas, com excepções para o Algarve e a Madeira. Isso contrasta com as autonomias do estado espanhol, todas elas com quebras na capitação do rendimento no período 2008/14.

Poder-se-á pensar que é virtuosa essa realidade portuguesa mas os desenvolvimentos seguintes irão mostrar uma situação bem mais negra. A relação entre a região mais rica da Península e a mais pobre situou-se em 2.5 em 2001 e 2005 e reduziu-se para 2.3 em 2014/15, embora essa diminuição tenha pouco significado, como se pode observar no quadro seguinte.
   Capitações do PIB (€)

2001
2008
2014/15
1
Com. Madrid
23016
Com. Madrid
32152
Com. Madrid
31812
2
Navarra
21484
País Basco
31243
País Basco
30459
3
Baleares
21256
Navarra
30128
Navarra
28682
4
País Basco
20932
Catalunha
28332
Catalunha
27663
5
Catalunha
20899
Aragão
26650
Aragão
25552
6
La Rioja
18919
La Rioja
25986
La Rioja
25507
7
Aragão
17917
Baleares
25717
Baleares
24394
8
Canárias
16759
Cantábria
22850
Lisboa/Vale do Tejo
22793
9
Com. Valenciana
16461
Lisboa/Vale do Tejo
22710
Castela-Leão
21922
10
Cantábria
16095
Castela-Leão
22421
Cantábria
20847
11
Lisboa/Vale do Tejo
15833
Asturias
22336
Asturias
20675
12
Castela-Leão
15441
Com. Valenciana
21878
Com. Valenciana
20586
13
Ceuta
14753
Madeira
21392
Galiza
20431
14
Asturias
14468
Galiza
21226
Canárias
19900
15
Melilla
14425
Canárias
21186
Ceuta
19399
16
Múrcia
14336
Ceuta
20765
Múrcia
18929
17
Castela - La Mancha
13425
Múrcia
20354
Castela - La Mancha
18354
18
Madeira
13410
Castela - La Mancha
19697
Andaluzia
17263
19
Galiza
13341
Melilla
19546
Melilla
17173
20
Andaluzia
12735
Andaluzia
18625
Algarve
16628
21
Algarve
12390
Algarve
17852
Extremadura
16166
22
Extremadura
10851
Extremadura
16633
Madeira
15710
23
Centro
9683
Açores
15099
Açores
15111
24
Alentejo
9619
Alentejo
14847
Alentejo
15039
25
Norte
9557
Centro
13289
Centro
14392
26
Açores
9396
Norte
12951
Norte
13858
                                                                           Fonte: INE - Península Ibérica em Números

Na hierarquia das regiões ibéricas, há sempre quatro regiões portuguesas nos últimos lugares, sendo de relevar a melhoria de posição do Açores e a deterioração do Centro e do Norte que, sendo as regiões com maior pendor exportador mostram as debilidades do modelo de desenvolvimento, baseado no baixo salário. São ainda de salientar as grandes mudanças da Madeira na mesma hierarquia e a melhoria de Lisboa e Vale do Tejo, que se revela uma vez mais, como o polo de concentração da riqueza em Portugal, o espelho da macrocefalia que se conjuga com a desertificação de grande parte do território. Mesmo com essa melhoria a capitação da região de Lisboa não ultrapassa, em 2015, 71,6% da registada para Madrid, a região mais rica da Península.

Esta situação mostra que onde os rendimentos são mais baixos a margem de compressão é inferior à de regiões mais ricas. Isso mostrou-se perfeitamente claro nas quebras de poder de compra observadas em Portugal entre 2004 e 2013, como em devido tempo estudámos[12].

Como se pode observar, todas as regiões do estado espanhol reduzem os níveis de capitação, o que não aconteceu em Portugal, onde mais propriamente se pode dizer que estabilizaram em 2014, pouco acima dos valores de 2008. O aumento da capitação da região de Lisboa no período 2001/08 permite-lhe ultrapassar as Canárias e a Comunidade Valenciana e no último período, situar-se à frente da Cantábria. 

Entre as autonomias espanholas, há algumas variações nos lugares cimeiros embora Madrid se mantenha sempre em primeiro lugar, nos três momentos considerados. Essas variações contudo, estabilizam em 2008 e 2015 relativamente a 2001, com perdas evidentes das Baleares na hierarquia e a subida do País Basco ao segundo lugar. Por seu turno, a Extremadura é sempre a região com menor capitação no estado espanhol e vem estreitando a diferença relativamente ao Algarve, ultrapassando a Madeira em 2014/15.

Este sucinto retrato evidencia Portugal como a região mais periférica no seio da Ibéria, onde se evidencia a região de Lisboa como uma verdadeira ilha, com indicadores de capitação claramente diferenciados dos do resto do país. Com as evidentes diferenças de capitação, essa periferia estende-se de modo mitigado por todo o sul do estado espanhol, onde se pode englobar, Extremadura, Andaluzia, Múrcia e Castela-La Mancha; e ainda, para a Galiza.

Este e outros textos em:

















[5]  Política que se veio a revelar afogada em corrupção, com o envolvimento explícito de mandarins do PSD, deixando uma vez mais incólume o promotor Portas
[6]  Ideologicamente, o ruralismo de Salazar defendia uma população vergada e obediente a trabalhar no campo, pouco necessitada de conhecimentos escolares; e no capítulo das mulheres, o ditador chegou a argumentar que, sabendo ler e escrever, elas utilizariam esses conhecimentos para “mandar bilhetinhos aos namorados”... Salazar não defendia uma proliferação do conhecimento, por medo da “subversão” e acima de tudo pretendia mão-de-obra barata para servir o empresariato luso, parco de tecnologia e pouco exigente em qualificações, num tempo em que o investimento estrangeiro era pouco significativo.
[8]  http://grazia-tanta.blogspot.pt/2015/12/continua-o-saque-da-seguranca-social.html
[9] Os rendimentos do trabalho em 2000 correspondiam a 48% do PIB, valiam 47% em 2008 e apenas 43% em 2015
[10]  http://www.slideshare.net/durgarrai/empresrios-portugueses-incapazes-inteis-nocivos-e-batoteiros
[11]  No investimento estrangeiro em Portugal, a Espanha detém uma parcela de 24.9% em 2012, só superada pela Holanda, como se poderá observar aqui 
[12]  http://grazia-tanta.blogspot.pt/2016/02/ganhos-e-perdas-de-poder-de-compra-nas.html

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